Se soubéssemos tudo, a vida a dois perderia a graça

O filme é bom, sem ser excepcional. Trata-se de “A Quase Verdade” (La Vérité ou Presque), de San Karmann. A personagem central, uma esposa que algumas vezes transa com o ex-marido, ansiosa e sonhadora, agora é casada com um homem considerado perfeito, o melhor parceiro do mundo. Ainda assim (ou talvez por isso), ela o traia.

Numa única discussão que os dois têm, diante da tamanha compreensão dele sobre a constante irritabilidade da mulher, ela sente-se inclinada a contar tudo e diz-lhe “você pensa que sabe tudo sobre mim, mas as esposas escondem muita coisa do marido, assim como eles também nos escondem”. E ele tem a melhor frase da fita, embora banal “talvez seja melhor assim”. Vira-lhe as costas e sai como quem não quer ouvir.

Sem dúvida. Sempre disse em minhas aulas que um dos segredos do bom relacionamento a dois, aquele que mantém o mistério e o interesse é não tirar o último véu, jamais contar tudo, afirmar ao parceiro ou parceira que nunca olharia para outra pessoa que não ele. Por favor, não. Mesmo que não sinta vontade de olhar e a paixão esteja no auge ou o amor seja integral, não fale.

O preço do eterno afeto é a eterna pequena desconfiança, gente! Desconfiança não no caráter ou no afeto, mas em razoáveis ânsias. Talvez seja mesmo muito melhor que não se saiba tudo. Tudo o que? O que é pessoal, o que inclui segredos que não dizem respeito à relação, certas raivas injustas que tivemos, a vontadezinha de se vingar em algum momento.

O julgamento errado que fizemos de uma boa intenção, os nossos desejos por alguém ou os sonhos eróticos, tão comuns. O prazer que tivemos em sermos admirados, paquerados ou, até, cantados por uma pessoa ou pelo menos, um olhar malicioso recebido e, por que não dizer, tão gostoso? Somos humanos, demasiado humanos, como dizia Nietzsche. O que não muda nada, principalmente o nosso sentimento. Além do mais, o que não foi dito, faz parte do recheio da conquista, daquela porção deliciosa de tentar adivinhar o que o outro gostaria que fosse feito até do pequeno ciúme que advém da dúvida de estarmos complementando o parceiro.

E mais, cada um é a sua individuação, ele e sua circunstância. Se soubéssemos tudo, com certeza, a vida a dois perderia inteiramente a graça. Por favor, não tirem o último véu. A beleza de um relacionamento é a sucessiva descoberta e o respeito pelo ser único que habita a quem divide conosco parte de uma existência.

Foto: Alessandra Przirembel Angeli © I stop for photographs