leonardo_boffConfira alguns trechos da entrevista de Leonardo Boff para Carta Maior (publicado: Mercado Ético 26/01)

A advertência de Leonardo Boff é taxativa: “Trata-se de um novo padrão civilizatório, nós temos que nos acostumar a consumir menos”. Em entrevista à Carta Maior, o doutor honoris causa em Política pela universidade de Turim (Itália) e em Teologia pela Universidade de Lund (Suécia), fala sobre a Teologia da Libertação, o Fórum Social Mundial, a crise econômica e ecológica mundial e a eleição de Barack Obama.

Ele resume nos três erres da Carta da Terra o novo paradigma sob o qual a humanidade terá que viver para sobreviver: reduzir, reutilizar e reciclar. Além disso, defende que o FSM tem o dever de pressionar o governo brasileiro a melhorar sua política para a preservação da Amazônia, avançando principalmente na questão fundiária.

CM – Neste mundo onde o consumo está além do que o mundo é capaz de produzir e regenerar, qual é a mudança necessária para que a crise não se transforme em tragédia?
Leonardo Boff – Como a crise é global, ela afeta todas as pessoas, todas as instituições, todos os grupos e todas as forças. O bom seria que cada instituição, igreja, universidade, sindicato, cada grupo humano pudesse, a partir do seu capital acumulado, dar uma contribuição no sentido dos três erres empregados pela Carta da Terra. O primeiro erre é reduzir o consumo. Nós podemos viver bem com menos, quase 90% de tudo que é produzido é supérfluo, atende necessidades suscitadas por um tipo de cultura consumista que abafou a ética e que reduziu a política a uma função da economia. Tudo é feito mercadoria, com tudo se faz negócio. Então é reduzir o consumo porque a Terra não agüenta.

Segundo, temos que aprender a reutilizar aquilo que nós usamos e ter a engenhosidade de dar outras utilidades para os produtos que nós usamos. Seja geladeira, roda ou roupa. Enfim, é reduzir, reutilizar e reciclar. Um dos grandes problemas do mundo hoje é o que fazemos com os rejeitos. Porque o que o sistema mundial mais produz hoje não são máquinas ou eletrodomésticos, é lixo. Nova Iorque tem que levar seu lixo a 300 km de distância porque não sabe onde colocá-lo. Se esse não for um caos criativo, será um caos destrutivo. Trata-se de um novo padrão civilizatório, nós temos que nos acostumar a consumir menos. Talvez agora não sintamos tanta urgência porque a máquina produtiva e consumista está funcionando, mas na medida em que a crise deixa as bordas e vai para o centro a sociedade sentirá a necessidade de fazer mudanças. De outra forma, essa crise terá conseqüências funestas.

CM – A Amazônia, tema deste Fórum, também é vítima desta crise…
Leonardo Boff – A Amazônia é o lugar de teste de um novo paradigma. É o patrimônio maior da biodiversidade da humanidade. É a maior reserva de água doce do mundo, 13% de toda água doce do mundo está no Brasil e depois no Canadá. Na Amazônia se dá o equilíbrio dos principais climas de toda a América. Apesar de toda essa luxuriante riqueza, o equilíbrio da Amazônia é extremamente frágil, é um dos solos mais pobres de todo o planeta com terras arenizadas. O húmus de grande parte da Amazônia não passa de 30 ou 40 centímetros. Se não forem feitas políticas muito bem dirigidas para a Amazônia, em função do agronegócio e da expansão da soja e do gado, há o risco que em 30 ou 40 anos haja uma vasta savanização da floresta. A humanidade inteira olha com preocupação para Amazônia.

CM – E como garantir uma perspectiva de futuro pós-crise do capital?
Leonardo Boff – Eu lembro aqui uma frase de Gorbachev na reunião da Carta da Terra, em Amsterdã. Ele disse que o modelo imperante de produção e consumo não tem mais condições de garantir um futuro para a humanidade, nós temos que garantir uma coalizão de forças ao redor de novos valores e de um novo paradigma civilizatório. Não é uma questão de querermos ou não. Nós somos forçados a buscar saídas. Caso contrário, e essa é a tendência um pouco do capitalismo, é suicídio. Marx, no terceiro tomo do Capital, explica a lógico do sistema financeiro. É um dos livros mais lidos do mundo inteiro hoje e lido, especialmente, por aquelas pessoas inteligentes dos mercados que erraram e que se perguntam por quê. Marx diz que a tendência do capital é destruir as duas bases que o sustentam, a força de trabalho e a natureza. Nós temos que buscar saídas numa economia plural, em muitas formas de produção. Talvez a China poderá ser um aceno, embora o modo de produção principal chinês seja capitalista.

Nós vivemos sob o pensamento único do mercado, sob o fundamentalismo do modo de produção capitalista. Esse modo de produção sozinho não conseguirá responder as demandas humanas. Pede-se uma economia política múltipla que exista conforme os ecossistemas. Chico Mendes viu isso na Amazônia com claridade. A nova economia vai nessa direção, se opõe ao globalismo. E cria uma economia regional, onde não há problema de transporte, e existe a valorização das tradições culturais.

CM – O Fórum Social Mundial começa em poucos dias, justamente aqui em Belém do Pará. O Brasil vai estar em foco no sentido de que o mundo todo espera um plano específico e claro para o território Amazônico…
Leonardo Boff – Eu creio que o Fórum tem o desafio de pressionar o governo brasileiro para fazer uma política clara, explícita e objetiva sobre a Amazônia. No meu modo de entender, o governo ainda não elaborou nenhum plano singular detalhado sobre a Amazônia. São políticas pontuais para resolver conflitos de terra e para impedir desmatamento em algumas regiões. Fundamentalmente o que tem que ser resolvido é a questão fundiária. É necessário um Plano de Aceleração não do crescimento, mas da integração e da preservação da Amazônia. O Fórum Social Mundial tem esse dever. Quando o presidente Lula vier aqui no dia 29 de janeiro, posso escutar as vozes das nações dos povos que obrigam o governo a assumir responsabilidade para com a humanidade.

A Amazônia é uma região tão complexa, que envolve tantos problemas para os quais nos não temos sequer os meios financeiros suficientes, nem a acumulação de ciência suficiente para podermos sozinhos enfrentar a riqueza e o valor que esse ecossistema tem para a humanidade.