…e que se deveria fazer, sem culpar a rotina pela acomodação

“Tenho certeza de que foi a rotina que acabou com o casamento deles. Por isso permaneço solteirinho da silva. Não quero nem saber de casar”, disse um cara, sobre o final do relacionamento do irmão gêmeo, dia desses, num descompromissado bate-papo de sala de espera a uma senhora, provavelmente amiga, pelo que deu para entender. Eu ouvi tudo quieto, mas analisando, é claro.

E pensando como as pessoas atribuem à rotina dentro do cotidiano vícios e defeitos que ela não tem em sua imparcialidade de apenas ordenar as escolhas ou dar seqüência à sucessão de fatos que compõem os comportamentos estabelecidos.

Ela não é em si acomodada, nós é que aproveitamos dela para nos acomodar; também não é em si, enfadonha. Sem ideias novas, propostas de renovação, criatividade, nós é que assim nos tornamos pela preguiça de pensar. A rotina é corriqueira, isso sim, mas absolutamente necessária para não nos desestabilizar de vez, já que não podemos viver de surpresas diárias.

Não é a rotina que mata o amor, muito menos o cotidiano em sua aparente mesmice, no seu repetido fazer. O que mata qualquer relacionamento afetivo é justamente o que não se faz, gente!

Na forma de esquecimentos que parecem nada, mas que acabam fatais para o convívio e o sentimento. Do esquecer de dizer pela manhã à mesa do café um “eu te amo, lembre-se disso quando enfrentar seu dia difícil” ao elogio que faltou e era tão importante naquele dia como validação de uma nova imagem na mudança de um corte de cabelo. Da data não comemorada já que “todo dia é igual” ou ainda pior “para que sair para comemorar se a gente tem comida congelada. Vai gastar dinheiro à toa?”

E de nada adianta o argumento furado que amor e carinho estão implícitos na relação e o outro já sabe a dimensão do nosso afeto. Não sabe não, ou se soube lá atrás está precisando ouvir de novo. Também não creio que o amor é tão forte que se sustenta por si através do tempo. Ele se sustenta no exercício, com certeza.

Um exercício constante, sutil, determinado e ao mesmo tempo misterioso. À altura de sua grandeza como força máxima da vida, já que surgiu pelos deuses gregos como Eros, não para nos trazer a pacatez e sim para nos envolver no delírio, no êxtase, no febril dos desejos nossos de cada amanhecer.

Também não adiantam apenas as intenções. Delas “o inferno anda cheio” como diziam nossas avós. Precisamos das ações em seguida, completando-as ou esclarecendo seu conteúdo. Ainda mais quando se referem aos encontros e realizações a dois. A intenção sem sequência é inócua, não mantém o fogo da conquista.

Aliás, os grandes vácuos da existência humana estão no que não se faz. E que se poderia ter feito… entre familiares, amigos queridos, pessoas que passaram e com quem tínhamos tanto a trocar ou receber. Por conta da tal acomodação, da preguiça, da inércia mental. Quando custava tão pouco e era tão importante!

Que não se culpe a rotina por isso.