Viticultura e Vinhos Biodinâmicos, Orgânicos, Ecológicos, Biológicos e Naturais

Em plena época em que o mundo se preocupa com o “verde” decidimos abordar os vinhos “verdes”, não aqueles portugueses famosos, mas os vinhos ecologicamente corretos, que são elaborados com o pensamento na preservação do meio ambiente e na saúde e bem estar do ser humano, ou seja, nós consumidores.

Chateau Roche Moine de Nicolas Joly e Monastère Vieux Serrant

É notório que a humanidade tem se preocupado com o ecossistema e por assuntos relacionados à saúde, bem estar, e principalmente com relação ao meio ambiente. A alimentação está em franca discussão e é perceptível que uma parte da população passou a prestar mais atenção com o que come e com o que bebe. As gôndolas dos supermercados são um termômetro. É impressionante como o número de produtos orgânicos cresce nas prateleiras, sejam de verduras e legumes, passando por carnes de uma maneira geral e acabando com produtos industrializados.

Mas para entender um pouco mais sobre esse assunto em relação a vinhos, é importante entender os conceitos. Como exemplo, o mais correto de se abordar é cultura orgânica ou cultura biodinâmica e não vinho orgânico ou vinho biodinâmico. De maneira geral o que temos hoje são conceitos sobre agriculturas orgânicas, biológicas, ecológicas e biodinâmicas, e não, na grande maioria dos casos, vinhos orgânicos, biodinâmicos, e assim por diante. Em alguns países as legislações variam e isso pode causar certa confusão nos consumidores.

Vamos aos conceitos!

Viticultura Orgânica

A viticultura orgânica é um sistema de plantio de uvas que se baseia não só na planta, mas no gerenciamento racional e sua interação com a fauna e flora do ambiente em que a planta cresce. É fundamental o respeito aos ciclos biológicos. Esse conceito contrasta com o conceito da viticultura industrializada, uma das maneiras de como é chamada a viticultura onde a adição de produtos químicos é permitida.

Philippe Pacalet acompanhando o trabalho em um de seus vinhedos

Como explanado acima, a controvérsia começa desde a exata definição de cultura orgânica que envolve um número sem fim de organizações ao redor do mundo com uma série de motivações e princípios de operação diferentes. O termo “viticultura orgânica” tem seus oponentes, pois toda e qualquer forma de viticultura é orgânica já que as uvas são organismos vivos. Uma viticultura não orgânica seria impossível só por esse conceito.

A viticultura orgânica foi oficialmente e legalmente reconhecida na França em 1981. Conhecida por lá como Agriculture Biologique, foi legalizada basicamente por uma pressão de mercado e por parte de produtores adeptos dessa técnica. O conceito claro é a proibição de pesticidas, fungicidas e fertilizantes sintéticos, no cultivo das uvas. Na realidade o que parece ser de fácil compreensão não é, pois, por exemplo, a cultura em questão, em algumas localidades, permite utilização de fertilizantes naturais a base de nitrato de sódio e cloreto de potássio. Outra similar contradição é relativa ao uso de feromônios nas vinhas que são produtos sintéticos que causam confusão sexual nos insetos que atacam as uvas.

A principal preocupação da cultura orgânica é relacionada ao solo. O zelo dos agricultores orgânicos é sempre em fomentar as atividades microbiológicas do solo e evitar que nenhuma substância não derivada diretamente da natureza seja adicionada ao solo. Na visão de alguns agricultores adeptos a princípios orgânicos, a adição de produtos industrializados, é como veneno para o solo. Ainda muitos adeptos dessas práticas afirmam que a adição de fertilizantes químicos inibe de maneira profunda a expressão do terroir.  O respeito à diversidade biológica do ecossistema da vinha é fundamental para os praticantes desse cultivo.

Outro argumento muito importante para os produtores orgânicos é relativo ao respeito à saúde do consumidor, em particular, pelo desejo da não existência, por exemplo, de pesticidas residuais no vinho.

Vinhedo Coulèe de Serrant de Nicolas Joly

A viabilidade da produção orgânica depende intimamente das condições climáticas. Vinhos produzidos a partir de cultivo orgânico são produzidos na maioria das regiões do mundo, mas somente em localidades com clima quente e seco podem se esperar quantidades comerciais de uvas de alta qualidade. Um número considerável de agricultores em regiões com clima mais instável tem adotado programas de produção livre de química, desde que não sejam seriamente atacados por doenças.

Livreto Francês dedicado a Vinhos Bio

Na maioria dos rótulos hoje disponíveis no mercado encontramos termos como “vinho produzido a partir de uvas cultivadas organicamente”.  Essa é a nomenclatura que o enófilo deve procurar caso queira provar um vinho produzido com uvas cultivadas organicamente. Vinhos denominados orgânicos praticamente inexistem.

Muitos produtores hoje tentam voltar ao passado, produzindo vinhos em ânforas com técnicas ancestrais que tendem a ser claramente focadas nas técnicas orgânicas de hoje. Tudo isso pode ser realmente por razões relacionadas à preservação do meio ambiente, saúde, etc, mas também simplesmente baseados em uma estratégia de marketing.

Hoje temos um sem fim de produtores de renome internacional adotando a agricultura orgânica tais como Michel Chapoutier e Chateau de Beaucastel, ambos do Rhône, o mítico Romanée Conti e a extraordinária Domaine Drouhin, da Borgonha, na França. A França hoje é o País que mais desponta e um dos que mais investe nessa cultura. Recentemente a renomada instituição Gault Millau publicou um livreto dedicado a vinhos Bio franceses. Essa cultura cresce nos Estados Unidos e também aqui em domínios sul-americanos. José Alberto Zuccardi da Familia Zuccardi, na Argentina, a família Carrau do Uruguai e as Vinã De Martino e Vinã Santa Emiliana, ambas do Chile, são excelentes exemplos de produtores de vinhos produzidos a partir de cultivo orgânico que podem ser encontrados aqui no Brasil.

Viticultura Biológica ou Ecológica

O espetacular Prieuré Roch Clos de Courvées 2003

Na maioria dos países os vinhos produzidos a partir de uvas ecológicas, biológicas e orgânicas são exatamente a mesma coisa. Ao acessar um rótulo de vinho “produzido a partir de uvas de cultivo ecológico ou biológico”, estamos falando, na grande maioria dos países, de exatamente o mesmo que “cultivados a partir de uvas cultivadas organicamente”.

Contudo em alguns países, nas culturas biológicas e ecológicas, é permitida a utilização, por exemplo, de sulfato de cobre e sulfurosos, esse último em quantidades ínfimas em caso de presença de ódio e míldio nas vinhas.

Viticultura Biodinâmica

Após nosso aprofundamento sobre cultivos orgânicos, biológicos e ecológicos, migramos para o próximo capítulo, que leigamente falando, digamos, é um up grade da cultura orgânica, a agricultura biodinâmica. Essa cultura, a mais extrema com relação ao nível de respeito e rigor relativo aos cuidados com o solo e com a vinificação, é basicamente a cultura orgânica somada ao cosmos e a astrologia, predominantemente baseadas nas teorias do gênio Austríaco Rudolf Steiner (nasceu em Kraljevec, fronteira austro-húngara em 1861 e faleceu em 1925, em Dornach na Suiça), que influenciou sobremaneira a ciência. Steiner além de criador da Agricultura Biodinâmica, criou também a Antroposofia (“Conhecimento do Ser Humano”), a Pedadogia Waldorf, a Medicina Antropofásica e a Euritimia.

Selecão dos vinhos degustados na Domaine Priuré Roch

Os princípios da Agricultura Biodinâmica de Steiner estão descritos em “The Spiritual Foundations of Biodynamic Methods“. No cultivo em questão o trato, tanto na vinha quanto na adega, é regido pela posição dos planetas e principalmente pelas fases da lua. A utilização de produtos agroquímicos e fertilizantes é absolutamente proibida, contudo algumas misturas são permitidas. Essas misturas são também conhecidas como preparos biodinâmicos. Esses preparos são alguns sprays como equisteum arvense e alguns compostos baseados em milfolhas, urtigas, cascas de carvalho, dente-de-leão e valeriana, dentre outros (no total são 9 compostos que são numerados de 500 a 508). No processo de vinificação não é vetado o uso de sulfitos, mas na maioria dos casos é utilizado em quantidades muito pequenas, principalmente antes do engarrafamento. O órgão regulador da Cultura Biodinâmica é o Demeter.

Chambolle-Musigny de Philippe Pacalet

Nos últimos 30 anos, mais notadamente da França, grandes nomes do vinho migraram para esse método como Nicolas Joly (Coulée de Serrant) e a família Huet (Domaine Huet) ambos do Vale do Loire, diversos da Borgonha como Ane Claude Leflaive (Domaine Leflaive), a citada Domaine Drouhin e Domaine Prieuré Roch, e as Domaine Weinbach, Marcel Deiss e Marc Kreydenweiss da Alsácia, somente para citar alguns. Esses produtores de vinhos são todos de alta gama e alto valor comercial.

Não há duvidas que Nicolas Joly é o mais renomado e reconhecido homem no planeta quando o assunto é Cultura Biodinâmica. Ele tem admiradores por todo o mundo. Nicolas é fervoroso amante das técnicas bidonâmicas e profundo entendedor das teorias de Rudolf Steiner. Nicolas esteve no Brasil em 2007 e tivemos o prazer de estar com ele. Por incrível que pareça, sua propriedade, no Vale do Loire, na França, é especializada em vinhos Brancos. Joly conduziu uma vertical com seu famoso Coulée de Serrant, um Chenin Blanc puro, de 10 safras, algumas datando da década de 70. É impressionante como seus vinhos tem estrutura, são longevos e muito profundos. No final do ano passado degustamos esse vinho da safra de 2005. Um branco que tem mais de 20 anos de evolução pela frente. Fabuloso e único. Esse vinho está entre os mais disputados brancos de todo o mundo. Prová-lo é uma experiência singular.

Os vinhos elaborados com esses princípios são hoje um belo nicho de mercado para os amantes do relacionamento com o meio ambiente. Cada vez mais organizações sociais e civis trabalham a favor e em direção à “ecologia sustentável, justiça econômica, proteção e respeito aos direitos humanos, política com responsabilidade e paz”. Muitos desses pontos estão por traz da centenária teoria da liberdade “­Philosophy of Freedom” publicada em 1894 por Rudolf Steiner. Talvez uma das definições mais simples dos pensamentos de Steiner seja “Nossa missão é entender que o mundo espiritual consiste de identidades universais que têm por natureza as capacidades do auto-criar e auto-manter”. 

Vinhos Naturais

Talvez a mais controversa de todas as nomenclaturas é essa; vinho natural, já que não existe nada oficial a respeito. Nesse caso o recomendado é conhecer o produtor e saber o que o mesmo pretende dizer quando fala que seu vinho é natural. Se analisarmos um pouco mais a maioria dos produtores que se intitulam produtores de vinhos naturais, os mesmo pregam além da cultura orgânica nas vinhas, que todo o processo de fermentação é baseado somente no suco da uva, sem nenhuma interferência humana.

Basicamente os produtores naturais só utilizam sulfitos na hora de engarrafar seus vinhos (principalmente pararesistência no transporte) e sempre em quantidades muito pequenas, que chegam a ser imperceptíveis, por exemplo, em uma degustação técnica. Os produtores de vinhos naturais são totalmente contra o uso de sulfitos durante a fermentação, pois os mesmos atuam como verdadeiros matadores das leveduras selvagens, o que para eles tira as características naturais do vinho e principalmente faz desaparecer as características do terroir.

Os produtores mais radicais afirmam que só existem vinhos de terroir produzidos a partir de técnicas naturais como a descrita acima. O direcionamento dessa produção é baseado no terroir e principalmente na saúde de quem consome o produto.  Hoje temos espetaculares vinhos produzidos a partir de técnicas naturais, tais como os do genial Philippe Pacalet, que trabalhou em duas das mais renomadas Domaines do planeta, as míticas Romanée Conti e Prieuré Roch.

Atualmente Pacalet produz reluzentes vinhos com uvas de várias comunas na Borgonha. Também da Borgonha é Marcel Lapierre, o gênio que fez seu Morgon, a base da simples Gamay, conquistar o mundo. No Vale do Loire os destaques são Richard Leroy de Anjou e Claude Courtois de Sologne. Produtores de vinhos naturais não colocam em seu rótulo qualquer menção se o vinho é natural.

Vinhedo Prieuré Roch

Importante ressaltar que os vinhos Naturais em discussão não têm nada relacionado, por exemplo, com alguns vinhos da França que possuem em seu rótulo “Vin Doux Naturele”, tais como Muscat de Beaumes de Venise e Muscat de Rivesaltes, que são vinhos doces produzidos sem a adição de açúcar (são doces naturalmente, por isso o nome, contudo são vinhos fortificados com aguardente vínica). A nomenclatura “Vin Doux Naturele” é reconhecida oficialmente na França.

Visita a Borgonha em janeiro de 2011

Luiz Gastão e Joan Cola, braço direito de Philippe Pacal

Luiz Gastão e Yannick Champ da Domaine Prieuré Roch

Em recente visita a região fizemos somente 3 visitas, todas elas em Domaines que tem como filosofia vinhedos com base em cultura orgânica e biodinâmica. Duas semanas atrás dedicamos todo espaço dessa coluna a Domaine Drouhin em uma das mais completas visitas de todos os tempos. Visitamos além da “escola” Drouhin, os produtores Prieuré Roch e Philippe Pacalet. Esses 2 produtores tem o mais estilo Borgonha de ser, sem pompa e glamour, e pregam que a terra é que faz o bom vinho. Foram duas visitas incríveis e diferentes, pois na Prieuré degustamos vinhos engarrafados e na maioria da safra 2008 enquanto que na Pacalet degustamos os 2009 em barrica (a grande maioria) e um apenas um branco da safra 2010, também em barrica.

Yannick Champ que está a cargo dos vinhos na Prieuré Roch nos recebeu com a simplicidade dos homens da Borgonha. Nos levou a conhecer a Adega onde os vinhos estagiam em barricas de carvalho e em seguida conduziu uma especial degustação. Tivemos a oportunidade de provar na ordem Le Clous 2008, Nuits “1” 2008, Nuits-St-Georges Vieilles Vignes 2008, Vosne-Romanée Les Suchots Premier Cru 2007, Clos de Vougeot Grand Cru 2008 e finalmente o carro chefe da casa, o Nuits-St-Georges Clos Du Corvées 2003. Foi mesmo uma aula, pois tivemos o prazer de degustar os recém lançados 2008, um 2007 e um 2003. Os destaques foram dois. O Clos Du Corvées 2003 que apresentava intensa cor e com uma clara evolução se comparado com os mais jovens. Um grande e inesquecível Nuits da safra de 2003, que foi muito boa na região, mas especificamente para essa Domaine, essa safra foi clássica. Já o Clos de Vougeot 2008 apesar de jovem surpreendeu, pois é difícil beber um Grand Cru tão jovem e já tão expressivo. Esbanjando alegria no olfato, taninos de impressionante qualidade e um final incrível fizeram desse tinto o destaque da visita.

Na Domaine Pacalet fomos recebidos por Joan Cola, um francês descente de poloneses. Joan é o braço direito de Philippe, que estava na Ásia em viagem a negócios. Apesar dos vinhos ainda não estarem prontos foi um enorme deleite provar como são os vinhos da safra 2009, que foi reluzente e espetacular em quase toda Borgonha. Degustamos mais 10 vinhos 2009 e os destaques foram o Charmes-Chambertin, o Gevrey-Chambertin Lavaux Saint Jacques e o Chambolle-Musigny 1er Cru, mas o que mais encantou foi a prova do Corton-Charlemagne 2010, cuja toda produção da casa era uma barrica de 225 litros, aquela mesma que estava a minha frente.

Os vinhos de Nicolas Joly são importados no Brasil pela Casa do Porto: www.casadoporto.com.br

Os vinhos da Prieuré Roch e Philippe Pacalet são importados no Brasil pela World Wine:  www.worldwine.com .br