O sonho como fonte de resistência e prazer

Uma senhora parou-me no calçadão, naquela gloriosa manhã de domingo, enquanto eu caminhava tentando assimilar a dádiva da natureza quando nos concede um dia como aquele, mesclando o sol gostoso com um ventinho fresco, sem o bafo insuportável do verão escaldante, para perguntar: “Desculpe interromper sua marcha, mas o senhor acredita no sonho mesmo quando parece distante ou pura fantasia?”. A inquirição repentina pareceu um tanto genérica, mas não quis pedir que explicasse melhor para não constrangê-la mais do que já estava. “Acredito sim, e lhe digo o quanto o sonho nos mantém na proposta do que poderá ser o amanhã. Em 2007, numa entrevista sobre o meu curso, quando a amiga jornalista me perguntou sobre o que me dava força e energia para continuar depois de 34 anos de atividades, falei-lhe no sonho como fonte de resistência e prazer”.

Ela, então mais relaxada, sorriu e contou-me de um novo amor, aos 62 anos, viúva e com netos já adolescentes, e que o apaixonado mora em Portugal e quer que vá encontrá-lo depois de uma aproximação fulminante numa viagem. Falou-me, ainda, do quanto os filhos são contra, como a estão massacrando e a pressão dos amigos, execrando e dizendo que se dará mal, que essa história vai acabar em nada e que o fulano (cinco anos mais novo) vai lhe dar um fora daqueles. “Mas encontrar um novo amor sempre foi um sonho já que fiquei viúva há quinze anos”.

Fiquei encantado com a promessa de felicidade que vi em seus olhos e antes de me despedir citei-lhe um poeta português, Sebastião da Gama, morto muito jovem de tuberculose, que afirmava: “Haja ou não frutos, é pelo sonho que vamos”. Frase, aliás, que fiz de cabeceira e de emoção, tentando adequá-la sempre ao meu dia-a-dia, principalmente quando ele pesa, torna-se chato, massificante, incolor. Até porque sou um cara movido a sonhos. Se eu não acreditar neles, se deixar de pensar que vou concretizá-los mais cedo ou mais tarde, se me abafar só na realidade, sinto que não resisto. E hoje, depois de muitos cortes e frustrações, já não permito que as pessoas “tira-clima”, aquelas que são mestras em querer nos mostrar a dureza cotidiana sem espaço para o azul, exerçam seu sombrio mister em minha vida.

Ao sonho, acrescento a ousadia do risco, que também é tão importante e que precisa acompanhá-lo, como no caso dessa senhora apaixonada já no outono da existência. Tomara que ela leia este texto antes de sua decisão de ir ou não viver ao lado do amado, no Porto. Curtir seu sonho nem que seja por um breve período. Sonho não combina com garantias, mas com prazer e intensidade enquanto dura. É o que vale nesta passagem tão rápida. Sem dúvida, é por ele que vamos.

Foto: Ivone Santos © I stop for photographs