Em autobiografia, Sebastião Salgado desmistifica a sua figura profissional e traz um retrato de um ser humano preocupado com a sociedade e o futuro do planeta

Da minha terra à Terra

Você com certeza já deve ter visto uma das fotos de Sebastião Salgado em algum lugar: sempre com temática social e o uso do preto-e-branco, as imagens do brasileiro estampam e já estamparam matérias que abordam assuntos como os refugiados de conflitos, a corrida do ouro no Brasil em meados da década de 1980 e até lugares intocados e preservados ao redor do globo.

Genesis

Com o livro Da minha terra à Terra (Editora Paralela, 176 páginas, R$ 24,90), ao lado da jornalista Isabelle Francq, o fotógrafo revela uma faceta pouco conhecida e conta a sua história – afinal, toda história não tem dois lados? Com essa autobiografia, surge a oportunidade de conhecermos quem está por trás da lente e o que o move para tirar as fotos que ficaram mundialmente famosas.

Genesis

Com esta imagem de “Gênesis”, Sebastião entendeu a ligação do homem com o planeta Terra: a pata desta iguana lembra muito a mão de um homem com uma cota de malha. Assim, ele conclui, a ligação entre a evolução das espécies se torna bem mais estreita e digna de respeito (reprodução)

O mote do livro foi o lançamento de Gênesis em 2013. Salgado passou 8 anos viajando pelo mundo para realizar uma série de reportagens sobre lugares intocados da Terra, sejam eles naturais (como Galápagos ou Madagascar) ou envolvendo a cultura de um povo (como a tribo indígena que ele conviveu durante alguns meses na Amazônia brasileira). Em uma jornada fotográfica por lugares intocados, onde o homem convive em harmonia com a natureza, o fotógrafo pôde declarar seu amor à Terra, em sua grandeza e fragilidade.

Como ele escreveu em um trecho do livro:

“Ao longo das reportagens, Lélia várias vezes foi ao meu encontro. Juntos, diversas vezes ficamos sem fôlego diante da majestade da natureza. E diante da vida que nela reina e das milhões de espécies que nela habitam. Enfim, a Terra nos deu uma magnífica aula de humanidade”. (p. 103)

A história de Salgado é repleta de momentos curiosos. Um exemplo é o fato dele ter sido membro de grupos que iam contra o regime militar, levando-o ao autoexílio na França. Outro é que ele só começou a fotografar porque sua esposa, Lélia, precisava fazer um trabalho para a sua especialização (ela é arquiteta e voltou a estudar em Paris quando o casal se mudou) e ele começou a ajudá-la.

Sebastião Salgado & Lélia Deluiz Wanick SalgadoDesde então, se revela uma grande cumplicidade entre os dois: ele não fala que faz as coisas sozinho e nem pega os créditos do trabalho só para ele; afinal, é ele quem está no campo. Mas ele sempre cita nós. São nossos livros, nossa agência, nossa vida – Lélia não só foi a inspiração ou a força que ele precisou para continuar com a carreira do fotógrafo, mas é um braço direito, uma extensão da sua vida profissional.

Tigray, Ethiopia, 1985

Entre outras tantas histórias curiosas e que desmistificam a figura de Sebastião, o que fica de inspiração e de recordação é o modo como ele humaniza de forma sensível cada cena que retrata. Um campo de refugiado é um lugar onde o homem chega ao seu limite; é quando ele não tem mais um lugar, uma família ou até uma nacionalidade. São fotos tristíssimas que ele fez em Êxodos, mas que, no fundo, tem uma representação da esperança.

Trabalhadores

Ele descreve isso muito bem no trecho a seguir

“Deveríamos todos admitir que a sociedade de consumo da qual participamos explora e pauperiza enormemente os habitantes do planeta. Todos deveriam se manter informados – por meio do rádio, da televisão, acompanhando a imprensa, vendo fotografias – a respeito das tragédias provocadas pelas desigualdades entre o Norte e o Sul, das calamidades em série geradas por ela. Este é nossos mundo, precisamos assumi-lo. Não são os fotógrafos que criam as catástrofes, elas são os sintomas da disfunção do mundo do qual todos participamos. Os fotógrafos existem para servir de espelho, como os jornalistas.

Trabalhadores

Sempre procurei mostrar as pessoas em sua dignidade. Na maioria das vezes, eram vítimas da crueldade, dos acontecimentos. Foram fotografadas quando tinham perdido suas casas, assistido ao assassinato de seus próximos, às vezes de seus filhos. A imensa maioria era formada por inocentes que não mereceram nenhuma das desgraças que caíram sobre suas cabeças. Minhas fotos foram tiradas porque pensei que o mundo inteiro devia saber. É meu ponto de vista, mas não obrigado ninguém a vê-las. Meu objetivo não é dar uma lição a ninguém nem tranquilizar minha consciência por ter despertado algum sentimento de compaixão em outrem. Fiz essas imagens porque eu tinha uma obrigação moral, ética, de fazê-las. Alguns me perguntarão: em tais momentos de desespero, o que é a moral, o que é a ética? No momento em que estou diante de alguém que está morrendo, é quando decido ou não se tiro a foto”. (p. 93-94)

Trabalhadores

Com uma linguagem bem leve e rápida, momentos comoventes, reflexivos, curiosos e engraçados Da minha terra à Terra é um livro não só inspirador, mas que torna esse grande fotógrafo um grande ser humano. E, de legado, finalizo com as palavras de Sebastião Salgado sobre o que ele sentiu durante a jornada que resultou em Gênesis – e talvez, é o que você sinta quando finalizar a história da vida do fotógrafo e entender os seus ideais:

“Descobrindo o planeta, descobri a mim mesmo.

Compreendi que todos fazemos parte do mesmo conjunto, o sistema Terra”.

Ao lado da mulher, Lélia, Sebastião Salgado criou o Instituto Terra no local onde era a fazenda de seus pais. Lá, eles estão realizando um plano de reflorestamento e já conseguiram mudar a paisagem local.

Clique na imagem abaixo para mais informações

Instituto Terra

Juntos, criaram também a AMAZONAS IMAGES – uma agência de imprensa fotográfica em Paris, criada em 1994. Se tornando a base e o coração de todas as atividades inerentes ao trabalho do fotógrafo.

Clique na imagem abaixo e conheça os trabalhos do casal 

Amazonas Images

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