O ego é o pior inimigo do Eu; o Eu, o maior amigo do ego

Poucos podem evitar o sofrimento, mas todos poderiam limitar o sofrer, eliminando culpas e não o tornando um estado crônico em seus ciclos. A culpa, uma das principais angústias do homem em seu caminho moral, tem sempre dois lados: a auto-acusação de um ato cometido ou omitido numa espécie de supra-responsabilidade pelo andamento das coisas e das pessoas em nome da consciência e seu oposto, o hábito de procurar no exterior uma desculpa para tudo àquilo que não deve ser. Ou nós achamos que não deve, melhor dizendo.

São raras as pessoas que não se deixam atormentar pela culpa mas que também não passam a vida culpando os outros, já que de nada adianta eu me livrar do peso e jogá-lo para a frente. Ambos, desnorteiam, mesmo que empurrar com a barriga possa momentaneamente aliviar.

Mas o que é a culpa? Sem mais delongas, uma pressão emocional além da responsabilidade, do assumir atitudes, em nome das regras sociais. A auto-acusação de algo que é considerado uma transgressão pela sociedade e que a censura insiste em apontar. Que bloqueia o prazer e o bem-estar, exigindo autopunição, o reforçador negativo.

Está muito ligada ao sacrifício religioso, marcado nos ritos e símbolos das pregações de fé. Inegavelmente, fomos criados para a culpa na idêntica medida da evitação do prazer. Sentimo-nos culpados pelo que esperam de nós, pelo jogo social que elabora a ilusão de que somos responsáveis pela íntegra felicidade alheia.

Na verdade ao encarnar a culpa, estamos no paradoxo egocentrismo-anulação. Culpados, nos colocamos no centro do mundo e ao mesmo tempo, pela renúncia ao prazer ou pelo bloqueio da autopunição que o superego (censura) exige, embarcamos no aviltamento. Daí, a culpa ser uma inimiga feroz que maltrata um ego comprometido com os princípios morais e sociais de um núcleo impiedoso.

Quem salva a pátria é o eu, a essência, o interior do movimento, o real de nós, não atingido – como o ego, a parte social do homem – pelos parâmetros e regras. Quem reage ao estado de culpa é a parte de nós que luta pelo bem individual de quem realmente simboliza. Eis porque o Bhagavad Gita diz bem: “O ego é o pior inimigo do Eu, embora o Eu seja o maior amigo do ego”. É ele quem se agita contra a autopunição, contra a autopiedade que leva ao pior dos comportamentos humanos: a vitimidade.

Como é bom conviver com pessoas que mesmo tendo passado muitas e más, não se consideram vítimas de nada, não continuam sofrendo depois de a dor ter acabado. Ao desenvolver a auto-estima e entendermos que o primeiro compromisso desta vida é a auto-realização, renunciamos ao sofrer psicológico, conscientes de que ninguém é perfeito, de que as falhas existem, que a culpa é doença; saudável é o amor.

Desde que se ame, tenta-se fazer o melhor. Como é fantástico esse “melhor de amor”. Só que é preciso dividi-lo entre as pessoas e nós. Um dia, as favorecemos; noutro, favorecemo-nos. Isso é o necessário.

Foto: Reprodução (efeito digital)