Com alegria, que contém em si muita sedução

Uma leitora – com certeza  muito romântica – me pergunta por e-mail se ainda acredito nesse tipo de sentimento nos dias de hoje, assim como questiona se a força da paixão está em seu próprio impedimento já que nunca viu a facilidade estimular um romance.

Ouça nossa seleção musical para acompanhar a sua leitura.

Vamos por partes porque são questões diferentes que podem ou não se interligar. Sim, é claro que acredito no romantismo, na entrega, na exaltação do sentimento através da coragem e da ousadia. Mas separo, claramente, romantismo de lirismo, o que muitos confundem, mesmo admirando a beleza de ambos.

Lord Byron dizia (no que concordo inteiramente) que “romântico é aquele que perdendo tudo num naufrágio e estando nu e solitário numa ilha deserta acredita piamente que será salvo e em breve”. Ou seja, ele via nessa corrente, a atitude corajosa que se arrisca pelo que acredita e crê na salvação em nome da auto-estima.

Já o lirismo é doce, tem algo de passivo, habita a alma dos poetas, é recolhido, tímido, cuidadoso. O que me faz duvidar, não da sinceridade e do carinho, mas da intensidade. Contrariando o “Tratado do Amor Cortês”, do século 12, quando André Capelão afirma que o amor é uma suave doença que envolve o pensamento de alguém e cria uma obsessão, algo incontrolável que busca desvendar sem medos e sem pejo os mistérios do ser amado.

Eis porque me fascina mais o romantismo do que o lirismo.

Por outro lado, não creio que só o impedimento aumente o amor. Sem negar os grandes amores proibidos da História, como o do filósofo Abelardo e da religiosa Heloísa, de Tristão e Isolda ou de Dante e Beatriz, entre tantos outros. Tudo bem que aquela relação meio certinha, onde o casal é filho de amigos, onde todos já esperam o namoro e o casamento, em que os pais torcem pela dupla, ou acaba dando em nada ou é um prato cheio para o tédio.

A contradição, as oposições, as diferenças, as dificuldades iniciais de entrosamento, as raças que divergem, assalta a alma de inquietações e faz um bem danado para uma febril e instigante história de amor. Ter motivos para lutar e arestas a aparar pode ser muito bom. Estimulante, desafiador.

Como é bom “fazer” com que uma relação dê certo, depois de todos os prognósticos negativos, da descrença dos próprios pares, dos descompassos de valores e dos princípios sociais. Só quem viveu um caso assim, na vida, consegue avaliar a delícia da integração.

Mas o amor não vive dos impedimentos e sim da causalidade que identifica a situação e cria o fator único que é a chave do reino de qualquer relação a dois. Também caiu por terra faz tempo aquela visão de que desejo e virtude se contrapõem e que parecia fazer da atração e da polaridade, desse fantástico magnetismo, uma maldição ou no mínimo, um erro.

Entre o romantismo e os possíveis impedimentos e facilitações, fica um ponto muito importante no convívio amoroso: a alegria. De se estar junto, de brincar, de usar e abusar, com inteligência, dos jogos de humor e leveza. O que contém em si muita sedução. Que agita o corpo, movimenta a existência e responde ao espírito!