Não se engana a todos por muito tempo, pois este é o senhor da razão

Um profissional revoltado com o que acontece na empresa em que trabalha, já que um colega medíocre e que bajula o chefe ascendeu ao cargo que lhe era devido, tanto por tempo de serviço quanto pela competência, questiona o mérito e se coloca como inteiramente descrente de que a competência e a capacidade possam valer a pena no mercado competitivo de hoje.

Na sua natural e compreensível irritação, se não me ofende, estende a mim sua descrença e afirma “tudo que o senhor escreve em termos de ética, de se tentar uma elegância de vida acabam sendo bobagens na vida real, no dia-a-dia empresarial, as pessoas ligam muito pouco para esse tipo de comportamento”.

Ele talvez tenha esquecido que também estou no mercado como profissional liberal e sei como as coisas acontecem atualmente. Como as pessoas se submetem a papéis dolorosos para atingir seus objetivos, como bajulam, como olham tudo e todos com segundas intenções e infelizmente, o quanto não podemos confiar ou abrir o coração num cenário em que um quer engolir o outro para não perder qualquer chance.

Mas, apesar desse cenário dramático, deprimente, desanimador, ainda creio na arte do desempenho. Não por romantismo ou pendor filosófico ou lírico, mas pela análise da realidade, a médio prazo.

••••••••••••••••••••

“A arte do desempenho é muito mais forte do que os incompetentes julgam e muito mais ampla do que consideram os injustiçados quando preteridos. Não se engana a todos por muito tempo, ainda que a artimanha seja um fator razoável”

••••••••••••••••••••

 Não se finge talento, qualificação e gabarito profissional, eternamente. Esse engano ainda é fugaz por mais medíocre e estereotipado seja o ambiente de trabalho. O incompetente apadrinhado acaba por se trair ou não segurar o rojão quando a coisa fica preta. Ou seja, nos inevitáveis confrontos com a qualidade e a inteligência em nome dos resultados desastrosos ou dos erros de percurso, mesmo que esses sejam cometidos por todos nós.

"Aula de Dança", Degas

Já passei por isso várias vezes e o filme é conhecido. Eis porque não falo em mérito, justiça – Justiça Divina, talvez – retidão. Lamentavelmente. Falo em constatação, em praticidade, em exame de conseqüências e na insegurança de atitude e postura que domina os sem talento por mais que disfarcem.

Certa vez, alguém gravou minhas aulas dizendo que assim recordaria melhor e depois de um tempo, saiu por aí propondo um curso com o meu material. Chegou a ter um razoável sucesso numa outra cidade. Até o dia em que foi pega em flagrante por uma aluna em visita a essa cidade e convidada para assistir. A plagiadora para não usar nome mais forte, se descontrolou diante do grupo e tudo veio à tona.

A arte do desempenho é muito mais forte do que os incompetentes julgam e muito mais ampla do que consideram os injustiçados quando preteridos. Não se engana a todos por muito tempo, ainda que a artimanha seja um fator razoável. Que, no entanto, não ganha do saber, da vivência e a meu ver, da dignidade. Mais cedo ou mais tarde, acabam valendo. Creia firmemente nisso, meu jovem revoltado. Nesse ponto, o tempo é mesmo o senhor da razão.