O espaço tão delicioso quanto perigoso da aparente segurança

A maior dificuldade da nossa vida é, talvez, a maior beleza: captarmos o fato de que somos escritores e protagonistas de um romance único, que dura da nossa entrada neste mundo ao momento de partirmos para outros campos. Essa condição de autores do nosso roteiro se defronta com a zona de conforto em que nos situamos.

O que é isso? Psicoterapeutas e comportamentalistas hoje enfocam muito a “comfort zone”, o espaço tão delicioso quanto perigoso da nossa aparente segurança, onde não precisamos mais ousar, entrar em desafios, reconhecer ou resignificar.

A família, a atividade profissional prolongada e conhecida, os lugares que habitualmente frequentamos, o círculo de amigos, o clube de servir, a entidade beneficente e tudo o mais de que participamos regularmente compõem a nossa zona de conforto. Que protege e aconchega, sem dúvida, mas acaba por nos identificar com ela de tal maneira que nos espelhamos naquele círculo de forma a nos julgarmos dele.

Ou seja, você não é apenas a mãe de seus filhos, a parceira de seu marido, o profissional de tal área, o amigo daquelas pessoas. Sua abençoada e salvadora exclusividade está além, a algo mais a desenvolver, a encontrar um ponto do destino a que se tem que chegar, ao ainda não vivido e que só pode ser traçado pelo autor. Que precisa ter a caneta na mão em nome do tal romance.

É fora da zona de conforto que vamos buscar a motivação que começa a rarear dentro dela, quando tiramos tudo dali e nos fechamos ao novo, ao desafiante. Nem por um minuto quer este texto tirar as pessoas da zona de conforto, já que é uma tranquilidade no cotidiano. O pedido encarecido é para se olhar além, para que se tenha a consciência de que é possível ir mais longe. Que existem outros pontos a cumprir, outras etapas a desenvolver.

A isso se dá o nome de consciência. De que somos um projeto sem conclusão, felizmente, uma “obra aberta” como disse Umberto Ecco em seu livro precioso do mesmo nome. Quando nossas avós brincavam dizendo “você não existe, fizeram e quebraram o molde”, diante das nossas travessuras, estavam certíssimas. A fôrma foi única. Somos exclusivos, e não meros resultados da zona de conforto; não podemos pegar carona na escolha dos outros ou no estilo de vida, embora a tentação seja grande.

É por não olhar além da zona de conforto, por aspirarmos a ela como o prêmio maior de nossas vidas, a partir de um ponto da luta – por volta dos 50 – que entramos no tédio, na apatia, num cansaço sem fim e projetamos para nossa velhice a Síndrome da Fragilidade e a Depressividade Senil, ao invés de nos iluminarmos pela lucidez, por uma motivação que nos mantém atuantes e por uma clareza de espírito que mostra o quanto valeu a pena ter vivido.

Foto: Ivone Santos © I stop for photographs