Rubens e Brueghel dividiam a tarefa de criar obras-primas

Imaginem só, um escritor de sucesso dizendo a outro: “Você escreve a narração e eu os diálogos”. A idéia era mais ou menos esta e não tão impossível assim. No início do séc. 17, dois dos mais admirados pintores flamengos colocam de lado qualquer vaidade em prol das habilidades maiores de cada um.

Assim, numa série inigualável de obras descrevendo temas religiosos e mitológicos, Peter Paul Rubens (1577-1640) pintava as figuras e Jan Brueghel, the Elder (1568-1625) as paisagens, a flora e a fauna.

Naquela época, isto não era tão incomum. Na Escola Flamenga os pintores geralmente especializavam-se em gêneros e então formavam uma equipe quando uma composição solicitava diferentes especialidades. Em uma ocasião, em Antuérpia, nada menos que 12 artistas foram comissionados para pintar dois óleos. Rubens e Brueghel em diferentes ocasiões também trabalharam com outros artistas.

De qualquer maneira essa associação não deixa de ser especial. Normalmente, havia colaboração entre um grande pintor e seu discípulo. Neste caso, porém, Rubens e Brueghel não eram apenas bons amigos e vizinhos, mas também dispunham do mesmo prestígio perante os olhos da corte dos Habsburgos, em Bruxelas. De 1598 até a morte de Brueghel, em 1625, eles pintaram juntos nada menos que 24 trabalhos.

Destes dois artistas, Rubens tem hoje em dia uma estatura maior. Quando entretanto uniram suas forças pela primeira vez, para pintar “A Batalha das Amazonas” (1598-1600), Rubens era muito mais um jovem artista recém-chegado em Antuérpia, enquanto Brueghel, nove anos mais velho e herdeiro do nome de seu pai, Pieter Brueghel, the Elder, já estava bem estabelecido.

Figura 1 – A Batalha das Amazonas, c. 1598
Coleção da Bildergalerie, Postdam, Alemanha

Em 1600, Rubens começa sua longa estadia na Itália que transformará sua arte e reputação. Quando volta a Antuérpia, nove anos depois, é indicado  pintor da corte de Isabel e Alberto, regentes espanhóis das Flandres. Logo se estabelece em um estúdio com uma crescente legião de jovens artistas e assistentes. Sua amizade com Brueghel permanece intensa, são compadres e ambos têm seus estúdios movimentados por encomendas que não param de chegar. A colaboração artística entre eles continua, são trabalhadores incansáveis e o melhor da pintura flamenga é produzido. Rubens ainda encontra tempo para política e diplomacia.
Estudiosos são capazes de distinguir as grossas pinceladas de Rubens das mais delicadas e intimistas de Brueghel. Assim, através dos desenhos detectados por raio-X sob as composições, conclui-se que na maioria dos casos era Brueghel quem desenhava a pintura e talvez até quem sugerisse o tema. Isto é aparentemente verdadeiro em “O Retorno da Guerra: Marte Desarmado por Vênus”, óleo pintado em 1610-12, que o Museu J. Paul Getty comprou em 2000.

Figura 2 – O Retorno da Guerra: Marte Desarmado por Vênus, c. 1610-12 (130 x 165cm)
Coleção Museu J. Paul Getty, Los Angeles, EUA

Neste caso, Brueghel criou todo o cenário para as figuras sensuais de Rubens: uma Vênus nua, seu herói guerreiro e uma profusão de cupidos.

Total harmonia alguns anos depois, encontraram na fantástica “O Jardim do Paraíso com a Queda do Homem”, de 1615. Esta também é a única obra onde há ambos os nomes: “PETRI PAVLI RVBENS FIGR”, embaixo à esquerda, e “IBBRVEGHEL FEC”, embaixo à direita. Estas inscrições confirmam que Rubens pintou as figuras (“FIGR”), enquanto Brueghel fez (“FEC”) o trabalho.

Figura 3 – O Jardim do Paraíso com a Queda do Homem, c.1615 (74,3 x 114,7cm)
Coleção da Casa de Mauricio, Haia, Holanda

Agora, certamente, podemos admirar estas outras obras, resultado da colaboração destes grandes mestres e amigos, com um novo olhar.

Um brinde a esta amizade de 400 anos. Salut!!

Figura 4 – Ninfas Preenchendo uma Cornucópia, c.1615
Coleção da Casa de Mauricio, Haia, Holanda

Figura 5 – Flora e Zefir, c.1617
Coleção Kulturstiftung, Dessau, Alemanha

Figura 6 – A Visão de Santo Huberto, c.1620
Colecão do Museu do Prado, Madrid, Espanha

Fotos: reprodução