A grandeza do viver está no próprio sentido da brevidade

O mundo de hoje nos envolve com propostas de bem estar, de recursos incríveis em termos de boa aparência e rejuvenescimento; a medicina avança de forma surpreendente e a prevenção passou a ser norma. A expressão mais batida e rebatida é “qualidade de vida”. Só em um único programa de entrevistas pela tv, no período de vinte minutos, no máximo, a ouvi quatro vezes, dita com ênfase por quem queria vender seu produto, divulgar sua academia etc.

É muito legal esse enfoque para o cuidado com o físico e a saúde, sem dúvida, desde que moderado, que não mate outra fonte nossa de vitalidade e saúde que é o prazer. Como uma pessoa pode ser saudável se não se permitir o prazer – tão fundamental para o equilíbrio dos neurotransmissores – vivendo uma existência apenas de regras e ameaças e de uma forma espartana que não deixa espaço para nada que seja delícia, leve abuso, satisfação do sensorial? O bom senso é a chave do reino, sempre e sempre. E bom senso é de cada um, não pertence ao rol de orientações do outro sobre nós, já que ele não detém a nossa natureza, por maior que seja sua competência.

Por outro lado, a obsessão com a qualidade de vida só pelo externo, está anulando ou deixando esquecida a força do imponderável, do que não depende de nós, dos desígnios do Grande Mistério, do movimento da Lei Universal, que nos leva também a tanto buscar essa qualidade de vida tanto no relacionamento humano quanto no interno, ouvindo a voz do Eu e se envolvendo com a Mística.

Não pensar, não lutar pelo auto-conhecimento, abandonar os caminhos de luz que a espiritualidade nos abre é a antítese do bem viver. E o que faz, com esses tantos obcecados apenas com a forma e com as regras a acharem que encontraram a segurança absoluta e a certeza da longevidade. Percebi isso noutro dia no assombro de parentes, menos com a perda do ente amado e mais com a inconformação sobre uma pseudocerteza: “Como foi acontecer isso com ele, que fazia ginástica diariamente, não fumava, não bebia e vivia dentro de uma dieta rígida, jamais abusando de nada, não fazendo o mínimo excesso que fosse?” Toda perda é brutal, sem dúvida, mas não podemos ir por aí.

E o imponderável onde fica? As forças maiores que conduzem o viver e o morrer? Não existem garantias de nada na nossa condição de mortais, por mais que seja importante o compromisso de nos manter saudáveis e ainda que exista uma lei das probabilidades. Mesmo ela só pode ser avalizada pelos critérios terrenos e mundanos. A grandeza do viver não está nas garantias, mas no próprio sentido da brevidade. Por mais difícil que isso possa parecer para os concretos.

Foto: Ivone Santos © I stop for photographs