Estava em Londres quando soube da morte de Alain Resnais, o cineasta francês que nos deu filmes memoráveis como “Hiroshima mon amour” e “Ano passado em Mariembad”.  Um dos gênios do cinema, fundador do movimento “nouvelle vague” e para quem curte a Sétima Arte, figura das mais importantes e de grande contribuição para a contracultura dos anos 60.

Os jornais ingleses e redes sociais deram-lhe o merecido destaque, enquanto que por aqui, parece que pouco se falou. Ainda mais tendo sido premiado no Festival de Berlim no mês passado pela Crítica Internacional, por “Amar, Beber e Cantar”, uma ode à vida e ao aproveitamento de tudo o que a existência tem de bom, com o direito de um homem de 91 anos que se propôs a não perder as oportunidades de prazer no decorrer do caminho.

Ele foi o autor de um dos filmes mais lindos que já assisti: “Providence”, justamente sobre a dignidade na velhice e o momento de se perceber o feito e o não feito. Na época, há 36 anos, era muito jovem, mas já me impressionou a fala do idoso feito pelo fantástico ator inglês Sr. John Giulguld “a radicalidade na forma de agir é péssima; ela só é benéfica num ponto. A absoluta exigência que devemos fazer a nós mesmos de não abrir mão de sabermos o que viemos fazer nesta vida. Acima de tudo, sem desculpas ou justificativas. Senão, o que valeu passar por aqui?”

Aquilo ficou gravado embora pareça ter caído no esquecimento. Só no avião de volta, quando li uma matéria sobre a morte do diretor, a frase voltou intacta, forte, chegando a me emocionar ao pensar que a fita pode ter sido um dos impulsos para eu me apaixonar por comportamento humano, fazer dele a minha atividade profissional tendo como meta, justamente o alerta para que as pessoas não desperdicem essa magnífica chance de buscar as respostas para o mistério de sua individuação. E que parece crescer a cada dia dentro de mim, não só temendo que não o faça até o final, como preocupado em despertar essa chamada primordial em quem, talvez, ainda não tenha se tocado com isso.

Já em seu penúltimo filme, “Vocês ainda não viram nada!”, que pode bem ser o seu testamento, o personagem, um autor teatral, convida os atores que admira para seu funeral, onde será exibido um filme com suas últimas palavras em que exalta o mérito de se morrer na plenitude, considerando assim, o não deixar que a idade mate em nós, o sonho, o imaginário, a fantasia. Como, quase sempre, ocorre com os idosos que passam a fazer das mazelas físicas e das limitações, seu mundo, ao invés de continuar sonhando e cultivando a fantasia, não o fantasioso.

Foi quase um exorcismo que deu certo, já que ele morreu pleno, fazendo filmes fantásticos, no auge do sucesso e em plena festa. “Aimer, Boire e Chanter”, como prega seu último título.

Morrer amando, bebendo, cantando… sem ficar reclamando de doenças, sem se tornar ranzinza, alguém cheio de manias, avarento, metódico, chato.

Pode haver plenitude maior do que essa?

“A absoluta exigência que devemos fazer a nós mesmos de não abrir mão de sabermos o que viemos fazer nesta vida. Acima de tudo, sem desculpas ou justificativas. Senão, o que valeu passar por aqui?”