O entendimento maduro de aproveitar a vida sem culpa

Abby é norte-americana, filha de pai dinamarquês e mãe suíça. Aos 78 anos que parecem 60 com folga – fiquei impressionado com sua jovialidade –, veio morar sozinha em Santos, depois da viuvez de um paranaense e de casados os dois filhos; um morando em Curitiba e, outro, em Nova York. E está adorando.

Conhecemo-nos outro dia e com toda a naturalidade e elegância, sem ser invasiva, apresentou-se. Contou rapidamente, preocupada em não se prolongar sobre quase toda a sua saga de vida. Até porque esperávamos ambos na ante-sala de um consultório.

O mais interessante do papo ficou por conta de sua maneira de pensar, com a qual me identifico e até me bato, nas aulas e nas conversas com as pessoas que já viveram muitas e muitas primaveras e agora podem (ou poderiam) se dar ao luxo de curtir as delícias da idade e desse tempo de maturação.

“Não compreendo a maioria dos idosos brasileiros, na minha faixa etária. Ao invés de curtir a vida, de se darem o melhor da existência depois de tantos esforços, abdicam de seus prazeres e não se acham suficientes para usufruir mais. Eu, ao contrário, vim para Santos e fiz questão de morar num apartamento amplo, defronte para a praia, já que adoro o mar, decorá-lo com tudo o que eu tinha direito, troquei meu carro, vou a bons restaurantes, sozinha quando não tenho companhia, tomo o melhor vinho e faço tudo o que tenho direito. Gasto toda a minha pensão e aposentadoria e meus filhos já sabem que não vão herdar nada; eles que se virem para formar seu patrimônio”, declarou rindo e com os olhos brilhando.

“Estou errada? Ou estou num momento de vida que devo aproveitar todas as oportunidades que surgem, de viagens a passeios, ao invés de ficar poupando e morrer amarga e arrependida? Como você vê isso?”, perguntou-me, enquanto duas outras senhoras que também aguardavam observavam com ar de crítica, o que deu para eu perceber com o rabo dos olhos, me divertindo muito.

“Auto-permissão, senhora, é como pode se chamar o seu comportamento, o que muitos na sua faixa etária não adotam.” E seguimos conversando por aí até a hora de nos despedirmos.

Segui meu dia, pensando em como suas colocações eram verdadeiras. Quantos naquela idade conheço que não se permitem a mais quase nada, num processo complicado que une auto-punição pela velhice com tirania da mesquinhez, junto com uma boa dose de desvalorização.

Quantos idosos, não necessitando financeiramente, é lógico, senão nem há o que discutir, saem de suas casas ou apartamentos amplos para se confinarem em espaços minúsculos, na vã justificativa de que ficou muito grande. Ou só vão a restaurantes a quilo, mesmo quando desejariam uma iguaria especial feita por um chef. Que andam de ônibus, já que não pagam passagem, arriscando-se a cair ou ser empurrados, quando poderiam gozar do conforto de um táxi. E tantas sovinices mais.

No fundo, fica mesmo essa visão de que velho necessita pouco ou que é preciso deixar a herança para os filhos. O que nem passa pela cabeça de um europeu ou norte-americano. Como a tal senhora disse bem: “Eu que tenho menos tempo de vida é que preciso aproveitar antes dos meus filhos e netos”.
Sem a menor dúvida. Grande Abby!

Foto: Alessandra Przirembel Angeli