Uma das maiores mentiras da CIA é a temática de um dos melhores e mais tensos filmes do ano passado.

Um filme só funciona de verdade quando consegue envolver o espectador emocionalmente. Foram poucas as vezes que fiquei tenso no cinema e a mais marcante foi quando assisti à Voo United 93, onde, no clímax do filme, era difícil até de respirar tamanha a ação e drama que transcorria na tela.

Com Argo (Argo, EUA, 2012), a situação foi bem semelhante. Eu já estava bem empolgado com o filme, havia adorado o trailer e todas as críticas eram positivas. E, de fato, Ben Affleck se superou: se com Medo da Verdade e Atração Perigosa tínhamos ótimos dois thrillers policiais, aqui, o drama e o suspense movimentam de uma maneira soberba a história real do resgate de seis norte-americanas durante a revolução que ocorreu no Irã em 1979.

O filme lembra muito aqueles suspenses da década de 1970, como Rede de Intrigas e o clássico Todos os Homens do Presidente, onde existe uma preocupação em se construir uma história com incrível riqueza de detalhes e utilizar uma tensão crescente na história.

Voltando a Argo, a história do filme se passa em 1979, quando o Irã passava por um momento político delicado. O xá Reza Pahlevi acabara de ser deposto e havia pedido asilo nos Estados Unidos. Os problemas com seu governo vinham de anos atrás: em 1953, ocorreu a nacionalização da Anglo-Iranian Oil Company e o governo de Pahlevi começou a se tornar cada vez mais ditatorial. Sempre vivendo com riqueza e excesso, o contraste com a pobreza e limitação da população iraniana era visível.

Os conflitos que resultaram na Revolução Iraniana foram promovidos por islamistas, comunistas e liberais e resultou no novo governo do aiatolá Ruhollah Khomeini no poder. Os seguidores do aiatolá, revoltados com a recusa do governo norte-americano em entregar Pahlevi, invadiu a embaixada estadunidense e fez 54 funcionários prisioneiros durante um período de 444 dias.

No entanto, seis funcionários conseguiram escapar, e ficaram durante meses na casa do embaixador canadense na capital Teerã. E a história deles e de como eles voltaram para os Estados Unidos é o mote da ação da CIA e que inspirou o filme.

Desesperada, a agência buscava um plano alternativo para retirá-los, e o “menos pior” foi o sugerido pelo agente Tony Mendes (Affleck): eles iriam rodar um filme de ficção científica no Irã e a equipe estaria em busca de locações, já que uma equipe de filmagens sempre roda o mundo em busca de cenários exóticos, ainda mais para esse tipo de projeto.

Somente o contexto histórico da época explica o porquê a operação foi possível: a tecnologia de imigração era muito limitada, e até as operações de inteligência se tornavam restritas em função disso. Os agentes dependiam de telefones fixo, e só isso já é uma prova dos momentos de tensão do filme.

Com um roteiro muito bem escrito por Chris Terrio e baseado num artigo publicado por Joshuah Bearman na revista Wired, Argo tem inúmeras qualidades, sendo que a principal é a maneira com que Affleck conduz o filme: ele está bem mais seguro e, ao mesmo tempo em que homenageia as fitas já citadas, mescla uma direção moderna (com cortes abruptos, edição rápida e velocidade) ao trabalho de grandes diretores do passado (com cenas mais lentas e momentos mais discretos, por exemplo). E o mais legal é que as homenagens não ficam só com a parte técnica, mas também com o contexto do filme, que envolve Hollywood e a paixão que as pessoas de fora tem pelo mercado do cinema e entretenimento – é muito legal saber que o cara que fez a maquiagem d’O Planeta dos Macacos era um dos envolvidos na operação, que só veio à tona na década de 1990.

Ao mesmo tempo em que cria a tensão do contexto político e social do Irã, Affleck insere humor com as manias e os momentos da indústria do cinema. Uma coisa muito legal que li e quero reproduzir é que Affleck não erra a mão, já que “a cada momento em que parece que o filme vai ficar cômico demais, somos lembrados da urgência da situação”.

A parte técnica está impecável também, e a trilha de Alexandre Desplat (que sempre manda muito bem) e a fotografia de Rodrigo Prieto são os destaques do filme. Fora o time de atores: Affleck, assim como ocorreu com Intrigas de Estado e Atração Perigosa, utiliza seus dotes dramáticos de maneira discreta e bem eficiente, e o resto da equipe está excelente (em especial destaque para o sempre ótimo Alan Arkin e John Goodman). Ah, e os créditos iniciais e finais do filme foram brilhantemente executados – não deixe de conferir.

OBS: o estranho nome do filme faz referência ao projeto orquestrado pelos agentes da CIA e alguns nomes de Hollywood para resgatar os funcionários norte-americanos no Irã.