Com energia incomum, Angelo deu mais um show pessoal em São Paulo

Vista área da comuna de Barbaresco

Para comemorar seus 50 anos de carreira no Wine Business São Paulo recebeu no primeiro dia de abril o mais influente produtor de vinhos da Itália, Angelo Gaja. Angelo é um mito no mundo do vinho. Um homem incansável tanto na produção de vinhos originais quanto na arte de vender.

Poucos sabem que esse piemontês foi de porta em porta nos melhores restaurantes do mundo mostrar seu produto, que hoje está entre os mais caros da Itália e que vende grandes quantidades de vinhos caríssimos em todos os locais do planeta. Em muitos restaurantes espalhados pelo mundo costuma-se ver uma carta de vinhos especial, somente com os vinhos de Gaja.

Isso acontece até em São Paulo, onde em alguns restaurantes você pode encontrar várias safras de um mesmo vinho de Gaja. Angelo fala pouco das características técnicas do vinho. O negócio dele é vender uma filosofia sobre o que são vinhos originais. Na realidade ele está certo, pois o vinho tem que ter significado e ao mesmo tempo agradar.

Os vinhos de Gaja infelizmente são para poucos, pois seus preços são realmente altos, mas não podemos deixar de enfatizar que são obras de arte, produtos de luxo, que o próprio Angelo fez questão de frisar em nosso encontro. Para elucidar isso, esse enérgico piemontês, mostrou o cartão de visita de seu avô, homônimo dele, que se apresentava como produtor de vinho de luxo e de refeição, isso em 1911. Incrível a visão.

Cartão de Visita do Avô de Angelo Gaja de 1911

Mas ter a oportunidade de provar um vinho desse gênio é realmente um privilégio, imaginem 6 de uma vez só. Ângelo herdou de seu pai, que por sua vez havia herdado de seu bisavô, uma belíssima propriedade em Barbaresco no coração do Piemonte. A propriedade em Barbaresco data de 1859. Seus tintos a base da casta Nebbiolo tem sido verdadeiras sensações em safras recentes e colocaram seus vinhos no topo do maior mercado para vinhos finos no mundo, os Estados Unidos.

A linda comuna de Barbaresco rodeada de vinhedos de Nebbiolo

Angelo é cultuado de norte ao sul nesse país e estejam certos que foi lá que ele virou um grande vendedor para não dizer um grande marqueteiro. E como todo marqueteiro, é bom contador de histórias e costuma dar vida a suas uvas e vinhos. Nessa visita mais uma vez comparou as uvas Cabernet Sauvignon e Nebbiolo a dois ícones do cinema – John Wayne e Marcelo Mastroianni.

A Cabernet Sauvignon é John Wayne, sempre no centro das atenções, sorriso largo e fácil (com 36 dentes à vista!), dominadora e até um tanto quanto metódica. É companhia perfeita para ‘beef & Lamb’ sempre. Não tem erro. Se sobressai em qualquer situação. Já a Nebbiolo, segundo Gaja, é Marcelo Mastroianni, discreta, nunca é vista no burburinho, você tem que procurá-la. Ir até ela.

Não tem a característica de dominar a cena quando harmonizada com um prato e seus taninos e acidez chegam a incomodar algumas vezes. É sutil, um universo a desvendar. E aí? Qual a melhor? É uma questão de estilo. É certo como dois e dois são quatro que seria uma votação para deixar em dúvida qualquer mulher que assistiu alguns clássicos no cinema com esses dois monstros das telas.

Comentários à parte, o empreendedor Angelo relutou para expandir seus horizontes, pois negou parcerias em todo mundo. A mais célebre recusa foi quando Robert Mondavi veio com tudo no início da década de 90 para ter um vinho Gaja & Mondavi. Gaja disse não, apesar de ter profunda admiração pelo homem que tanto fez pela cultura do vinho não só nos EUA como no mundo.

Logo em seguida decidiu que iria procurar algum novo desafio que tivesse muito significado. Pois bem, comprou duas propriedades na Toscana. Uma no coração da região, mais precisamente em Montalcino (em 1994) e outra na costa da Região, Castagnetto Carducci (em 1996).

Vista aérea de Castagneto Carducci com o Atlântico ao fundo

Investiu algumas dezenas de milhões de dólares e modernizou a antiga Pieve de Santa Restituta em Montalcino e equipou com o que há de melhor a Ca’Marcanda, em um projeto espetacular desenhado pelo genial arquiteto Giovanni Bo. Apesar de continuar um vendedor como poucos, Angelo mostra que apesar de hoje ter muitos hectares de Sangiovese, Syrah, Cabernet Franc  e Cabernet Sauvignon, seu coração está mesmo com a Nebbiolo. Como bom italiano ele prefere Marcello Mastroianni, lembra??

Nesse evento comemorativo Gaja caprichou muito nos vinhos, pois fez questão de mostrar tudo o que tem, principalmente em termos de diversidade.

Foram escolhidos 6 vinhos, sendo um Branco e 5 tintos, desses, seu principal Super Toscano o Camarcanda, da excepcional safra de 2006, seu carro chefe do Piemonte, o Barbaresco 2005, seguido de 2 IGT Langhe, também do Piemonte, o Sperss 2005 e o Conteisa 2001. Por último seu mais importante Brunello da Pive di Sanra Restituta, o Sugarille da safra 2000.

Rótulo do Barbaresco Gaja

Um verdadeiro show, pois tivemos à mesa diversas safras distintas e 2 comparações sensacionais. Foram elas comparar os 2 vinhos da safra 2005, um puro Nebbiolo ao lado de um Nebbiolo com 6% de Barbera (Barbaresco x Sperss) e comparar dois Langhe Nebbiolo da região de Barolo (o Sperss proveniente de vinhas de Serralunga D’Alba e o Conteisa proveniente de La Morra) de 2 grandes safras, 2005 e 2001, respectivamente.

Para degustarmos essa artilharia foi escolhido o amplo salão inferior do restaurante Dalva e Dito, nos Jardins, comandado pelo criativo Alex Atala, que preparou um menu com 3 pratos, uma Brandade de Bacalhau para acompanhar o vinho branco, seguido de uma massa e finalizando com um filé de cordeiro, para estar ao lado dos tintos.

Otavio Lilla da Mistral, Angelo Gaja, Luiz Gastão e Alex Atala

Além do show de Angelo persona, os vinhos falam por si só, pois sem duvida estão entre os melhores vinhos do mundo, vinhos colecionáveis e com estrutura para evoluir por décadas.

Vinhos degustados

 

 

Garrafas dos Vinhos Degustados com Angelo Gaja


O extraordinário Alteni di Brassica Langhe Sauvignon Blanc 2008 estava sensacional e o que mais impressiona é que apresenta uma grande tipicidade só atingida por alguns Sancerre e Poully Fumé do Vale do Loire na França. Apesar de jovem e de certa maneira alcoólico (13,5º) estava equilibrado, muito profundo e delicioso. Um grande branco. Pode ser consumido agora, mas tem muitos anos pela frente.

Logo na seqüência chegou à mesa o Camarcanda 2006, da propriedade Ca’Marcanda, localizada na costa da Toscana, ao Sul de Livorno.

Vinicola Ca'Marcanda de Gaja na costa da Toscana

Nessa região tivemos em 2006 uma safra fenomenal, talvez a melhor dos últimos 20 anos. Vinho muito agradável, rico, saboroso e de certa maneira, apesar de jovem, fácil de beber. Seu blend é composto por 40% Cabernet Sauvignon, 10% Cabernet Franc e 50% Merlot. O vinho estava tão especial que me fez refletir que estava a frente de um blend de Pauillac (Medoc/Margem esquerda do Gironde) e um Pomerol (margem direita), uma alusão ao melhor Cabernet do mundo, de Pauillac, e o melhor Merlot do mundo, que vem de Pomerol.

O Camarcanda Ca’Marcanda é vinho o topo de linha dessa propriedade que ainda produz o excelente Magari e o versátil Promis.

Na seqüência tivemos uma aula sobre os grandes vinhos do Piemonte, onde o destaque é mesmo a casta Nebbiolo. O ultra jovem Barbaresco 2005 estava muito fechado no inicio, mas com o passar do tempo na taça vai se transformando. É um extrato de elegância e de sobriedade, mesmo como Marcello Mastroianni.

Sua profundidade impressiona. É um tinto que irá continuar evoluindo por mais 15 anos na garrafa. Após o Nebbiolo in purezza chegou a mesa o irmão, o Sperss 2005, um Nebbiolo com um toque de Barbera (6%). Aromas espetaculares. Ainda mais profundo que o Barbaresco, apresentando mais frescor e alegria.

Vinhedo Sperss em Barolo

Apesar de sua juventude seus taninos estavam polidos. Por ter sido degustado ao lado de outros grandes vinhos, esse vinho se situa mesmo entre os melhores e mais longevos vinhos de toda Itália. Tive a honra de degustar diversas safras dessa obra prima e nunca pontuei um Sperss com menos de 94 pontos. Os mais espetaculares degustados foram o 1989, 1990, 1996, 1999 e 2001.

O ultimo tinto piemontês foi o Conteisa Langhe 2001 elaborado com Nebbiolo e 8% de Barbera provenientes da macro região de Barolo, mais precisamente de La Morra. Com nítida evolução se comparado com os outros irmãos mais jovens 4 anos, estava preciso, mostrando excelente carga de fruta e muito equilíbrio. Para fechar o jantar tivemos o Brunello di Montalcino Sugarille 2000, esse mais um varietal, pois é produzido (obrigatoriamente) com 100% de Sangiovese Grosso.

Não podemos deixar de ressaltar que tínhamos à mesa uma grande rivalidade, pois são, sem duvida, a Nebbiolo e a Sangiovese as 2 castas mais importantes de toda a Italia e que levaram os vinhos italianos a fama que tem mundo afora. São de estilos diferentes, com a Sangiovese sempre produzindo vinhos mais alegres e suculentos, enquanto a Nebbbiolo é responsável pelos mais elegantes e ricos tintos da bota.

O Sugarille 2000 comprovou mesmo a característica da casta, pois estava sucuelento e cheio de vida. Um Brunello moderno e muito gostoso. Normalmente os Brunellos são vinhos que demoram muito para amadurecer. Angelo e seu enólogo Guido Rivella estão mudando isso e mostrando ao mundo que podemos sim ter Brunello’s deliciosos ainda enquanto jovens.