Generosidade e reciprocidade justificam a vida em sociedade

A pergunta veio meio de chofre em meio a uma reunião de aniversário, num fim de semana. Mal conhecia a jovem senhora e a senti um tanto agressiva, de início (depois, o papo rolou descontraído): ”sempre leio o senhor no jornal; às vezes concordo, muitas vezes, não. Gostaria de saber se me acha mesquinha porque detesto receber em casa, como o senhor sempre propõe na coluna, embora seja muito convidada para a casa dos amigos. Significa que não sei retribuir?”

Respirei fundo antes de responder, até porque naquele momento tomava um delicioso vinho tinto e comia uma torta salgada dos deuses e estava sendo interrompido na delícia: “Absolutamente, cada um faz o que quer, ninguém é obrigado a receber ninguém. De repente, a sua forma de retribuir é outra, através de um presente, de uma delicadeza. E o fato de não convidar para sua casa nada tem de mesquinhez e, sim, de um gosto, um prazer pessoal. Se não lhe causa prazer proporcionar aos amigos uma reunião em sua casa, pensando no trabalho que dá, não deve mesmo fazê-lo,e retribua de qualquer outra forma”.

Como ela esperava outra reação ou resposta minha, ficou um tanto desarmada e passamos a conversar de outros temas. Na volta, fui procurar na estante um livrinho antigo, de Helène de Rottischild, chamado “A Arte de Retribuir”, em que ela fala no delicioso de aprender a trocar uma amabilidade, dessa reciprocidade gostosa que justifica a vida em sociedade e tira qualquer ranço de fútil, de superficial.

Realmente, há pessoas que conhecem esse comportamento tão sutil e importante de retribuir. Que nada tem a ver com status, etiqueta, situação econômica. Conheço e convivo com pessoas com imensas dificuldades financeiras, que possuem a sensibilidade no ponto exato e que, principalmente, são generosas (ah, como aprecio a generosidade!).

Diante de uma atenção recebida, de um carinho, de uma doação, retribuem como podem, mas fazem questão disso. Através de uma rosa enviada na hora certa, de um sachê feito por ela, de um sabonete embrulhado com carinho. Não importa o valor; importa a atitude, a vontade de ofertar, de marcar momentos com alguém. Sem dúvida, retribuir é uma arte, que faz o relacionamento humano tão mais bonito e amplo, já que a gente saber que foi lembrado é a melhor coisa do mundo. Perceber que alguém viajou e em meio ao agito pensou em você e trouxe um chaveiro, que fez o doce de sua preferência e lembrou de guardar uma fatia e enviar-lhe.

Continuo achando que receber em casa em retribuição é muito agradável, caloroso, mas tenho a certeza que receber no coração é sempre muito mais.

 

Foto: Wikimedia Commons/Thorma János (1870-1937) – Bunch of flowers/Efeito digital